quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Como usar sabiamente a mordomia cristã - 1º Coríntios 16.1-24

Alguém já perguntou muito apropriadamente se Paulo tomou um cafezinho entre os capítulos 15 e 16. O capítulo 15 nos leva às alturas excelsas da revelação de Deus, falando-nos sobre a ressurreição de Cristo, a segunda vinda de Cristo, a derrota final dos inimigos de Deus, a transformação dos remidos e a consumação de todas as coisas. O capítulo 16, porém, Paulo começa a falar sobre dinheiro. Ele desce do céu para a terra. Parece um anticlimax. É que nós somos cidadãos de dois mundos. Ao mesmo tempo que temos responsabilidade aqui no mundo, cremos que a nossa Pátria está no céu.
A responsabilidade social da igreja não pode ser dissaciada da sua teologia do mundo porvir.
Paulo fala neste capítulo sobre três aspectos da mordomia cristã: dinheiro, oportunidades e pessoas.

I. DINHEIRO - A PREOCUPAÇÃO COM OS POBRES - 16:1-4
1. O compromisso de Paulo com a ação social - v. 1-4
Paulo não está falando aqui de dízimo nem de contribuição para os cofres da igreja, mas está falando de uma oferta para atender as pessoas pobres da igreja de Jerusalém. Não é uma campanha para aumentar o orçamento da igreja, nem para atender as despesas da igreja, mas um socorro a pessoas necessitadas de Jerusalém. O princípio de Paulo é que os cristãos devem dar para outras pessoas.

2. O problema em Jerusalém - v. 1-4
A região da Judéia, onde estava Jerusalém tinha sofrido uma grande fome (At 11:27-28), que tinha empobrecido muitas pessoas. Além do mais, com o martírio de Estêvão, começou a perseguição aos cristãos, o que fez com que muitos crentes abandonassem a cidade.
A igreja de Antioquia já havia enviado uma ajuda financeira para os pobres da igreja de Jerusalém (At 11:29-30).
Oito anos antes de escrever esta carta Paulo tinha se comprometido com os apóstolos Pedro, Tiago e João, os líderes da igreja de Jerusalém, que faria algo pelos pobres (Gl 2:10). Paulo estava comprometido não apenas a pregar o evangelho, mas também a assistir os pobres. Evangelização e ação social precisam andar juntas.
Paulo entendia que as igrejas gentílicas deviam abençoar financeiramente a igreja de Jerusalém pelos benefícios espirituais recebidos dela (Rm 15:25-27).
Paulo escreveu 2 Coríntios, mais ou menos um ano depois de 1 Coríntios. Ele dá testemunho de que este projeto de levantamento de ofertas para a igreja pobre de Jerusalém tinha sido um sucesso (2 Co 8:2-4).
Dois anos depois quando ele fez um apelo à igreja de Roma, ele inclui Corinto (Acaia) como um bom exemplo (Rm 15:26).

3. Os princípios básicos de dar - v. 1-4
3.1. O cristão deve dar para pessoas que não fazem parte da sua igreja - 16:1 - Seja na visão evangelística, seja na visão da ação social, a motivação básica da contribuição deve ser ajudar outros. A igreja não vive só para si mesma. Egoísmo financeiro é um sinal de mundanismo. Uma igreja missionária é uma igreja viva. Quem são os outros aqui? Os irmãos da igreja de Jerusalém. A Bíblia nos mostra as prioridades da contribuição (Gl 6:10; 1 Tm 5:8). Exemplo: O mar morto.
3.2. Divulgue as necessidades - 16:1 - A primeira orientação é que as necessidades devem ser divulgadas de maneira clara e precisa. Paulo não teve receios em contar para os coríntios que ele precisava de dinheiro, e para quê. Paulo não é apenas direto, mas também autoritário "como ordenei às igrejas da Galácia". Dar para causas cristãs de valor é uma obrigação cristã como ir à igreja, orar ou ser fiel à esposa. Pastores que ficam sem jeito para pedir dinheiro à igreja para causa justas não estão fundamentados na verdade de que é mais bem-aventurado dar do que receber. Uma igreja que tem recursos financeiros tem também responsabilidade de ajudar os pobres.
3.3. Dar é um ato de adoração - 16:2 - Cada membro da igreja deveria vir ao culto no domingo preparado para contribuir para atender à necessidade dos santos pobres. É triste quando os crentes ofertam apenas como dever e não como um sacrifício agradável a Deus (Fp 4:18). Dar é um ato de adoração ao Salvador ressurreto.
3.4. Incentive a contribuição sistemática - 16:2 - Paulo propôs planos funcionais para que a igreja de Corinto pudesse ser mais efetiva na contribuição. "por à parte em casa" significa separar regularmente o dinheiro para a oferta. Se não formos sistemáticos na contribuição nunca vamos contribuir. Se esperarmos sobrar nunca vamos contribuir. Se fôssemos tão sistemáticos na contribuição, como somos nos nossos investimentos a obra de Deus prosperaria muito mais.
3.5. A contribuição deve ser proporcional - 16:2 - "conforme a sua prosperidade" mostra que ninguém está isento de contribuir. A contribuição deve ser justa. Quem gahnha mais deve dar mais. Um cristão de coração aberto não pode manter a mão fechada. A contribuição é uma graça e não um peso. Se nós apreciamos a graça de Deus a nós, teremos alegria em expressar a graça através da oferta aos outros.
3.6. A contribuição deve ser pessoal e individual - 16:2 - "cada um de vós" - Paulo esperava que cada membro da igreja participasse da oferta, os ricos bem como os pobres. Todos os crentes devem participar dessa graça de dar aos pobres.
3.7. O dinheiro deve ser lidado com honestidade - 16:3-4 - Paulo tinha um comitê financeiro para ajudá-lo (16:3-4; 2 Co 8:16-24). Muitos obreiros perdem o seu testemunho pela maneira pouco transparente como lidam com o dinheiro. Paulo recomenda as igreja escolher pessoas específicas para lidar com o dinheiro das ofertas.

II. OPORTUNIDADES - A MORDOMIA DO TEMPO - 16:5-9
1. A necessidade do sábio uso do tempo - 16:5-9
O apóstolo Paulo recomenda: "Vede prudentemente como andais, não como néscios, e, sim, como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus" (Ef 5:15,16).
Paulo era tão cuidado no seu uso do tempo como era cuidadoso no uso do dinheiro. Matar o tempo é uma das principais atividades da sociedade moderna. Não podemos usar mal o tempo nem perder as oportunidades.
Paulo informa a igreja de Corinto sobre seus planos de sua futura viagem para visitar a igreja. Ele faz planos, mas reconhece que eles só se realizarão se Deus o permitir (16:7). Todo o plano está debaixo da direção de Deus. Isso concorda com o que Tiago ensina (Tg 4:13-17).
Há dois extremos aqui: o primeiro é não fazer planos. O segundo é fazer planos sem submetê-los à direção de Deus.

2. A necessidade de aproveitar as oportunidades, ou seja, as portas que Deus abre - 16:8-9
Paulo vê as oportunidades "uma porta grande e oportuna para o trabalho se me abriu" e também as dificuldades "e há muitos adversários" (16:9). Embora Paulo estivesse em perigo em Éfeso (1 Co 15:32), ele estava determinado a ficar lá, enquanto essa porta estivesse aberta. Paulo enfrentu três focos de oposição em Éfeso: 1) As forças espirituais do ocultismo da cidade de Éfeso; 2) A associação de ourives liderada por Demétrio; 3) A hierarquia judaica. A lição que Paulo ensina é clara: a presença de oposição não indica que nos desviamos da vontade de Deus.
Tanto o crente como a igreja deveriam sempre perguntar: Quais são as oportunidades que Deus está nos dando hoje? Em vez de ficar reclamando dos obstáculos, nós deveríamos usar as oportunidades e deixar os resultados com o Senhor.

III. PESSOAS - A MORDOMIA DOS RELACIONAMENTOS - 16:10-24
1. Paulo valoriza pessoas - 16:10-24
Paulo não era apenas um ganhador de almas, ele era um fazedor de amigos. Paulo era um mobilizador de pessoas para se envolverem na obra de Deus.
Dinheiro e oportunidades não têm nenhum valor sem as pessoas. O maior patrimônio da igreja não é o seu prédio, mas as pessoas. Jesus investiu todo o seu ministério em pessoas. Se as pessoas estiverem preparadas, Deus irá suprir ambos: dinheiro e oportunidades e sua obra será realizada.
Paulo valoriza, elogia e destaca o trabalho das pessoas. Você tem o hábito de valorizar o trabalho das pessoas? Tem o hábito de elogiar as pessoas? Tem o hábito de encorajar as pessoas?

2. Paulo nomina pessoas - 16:10,15,17,19
2.1. Timóteo - v. 10-11 - Timóteo tinha três problemas básicos: era jovem, tímido e doente. Paulo recomenda a igreja que o trate com amor e apreço.
2.2. Apolo - v. 12-14 - Apolo era um eloqüente pregador. Ele tinha um fã clube em Corinto. Mas Paulo não tem nenhum ciúme nem competição com Apolo e recomenda a sua volta a Corinto (16:12). O sistema que Paulo usava não era a de um bispado. Ele não forçava um obreiro ir para um lugar contra a sua vontade (16:12). Diante das divisões que existiam na igreja, Paulo sua última exortação nos versos 13 e 14.
2.3. Estéfanas e sua casa - v. 15-18 - Os primeiros convertidos de Paulo em Corinto consagraram-se ao serviço dos santos (16:15). Uma família inteira está se consagrando ao trabalho da igreja. Paulo recomenda a igreja a se sujeitar a essa família consagrada e dedicada (16:16). Paulo destaca a bênção de ter crentes que são verdadeiras fontes de refrigério para os pastores (16:17-18). Quem são os pastores dos pastores? Quem você é na igreja, fardo ou refrigério? Paulo encoraja a igreja a obedecer aos seus líderes espirituais.
2.4. Aquila e Priscila - v. 19-20 - Este casal tem uma peculiaridade: eles dedicam não apenas suas vidas a Deus, mas também o lar. Na casa deles há uma igreja reunida. Eles abrem a porta do lar para a pregação do evangelho. Esse casal foi grande usado por Deus em três grandes centros: Roma, Éfeso e Corinto.

CONCLUSÃO
Paulo termina a carta fazendo uma advertência aos falsos crentes (16:22) bem invocando a graça do Senhor Jesus sobre a igreja e reafirmando o seu amor a todos os irmãos, mormente depois de escrever uma carta tão pesada em termos de exortação (16:24). Embora tivesse opositores em Corinto, ele envia o seu amor a todos eles.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Samuel; Modelo de profeta pós moderno - ISm. 9.1-9

1) INTRODUÇÃO

Desde os tempos e civilizações remotas, a figura do vidente, do adivinho, do profeta, daquele que desvenda o presente e o futuro é imprescindível para discernimento da realidade e para mediação com a divindade nas mais diversas culturas antigas. Na região da Mesopotâmia não foi diferente, sendo este personagem (o profeta) figura presente na maioria dos textos religiosos e régios encontrados nesta região[1].
Em Israel, o profetismo surge, segundo Seubert (1992, p. 9 – 16) devido a fatores sociorreligiosos: o profetismo era uma voz que chamava o povo a retornar a lei mosaica, em tempos de depravação do culto e do reino.
Apesar de o próprio Abraão ser chamado de profeta (Gn. 20.7), além de Moisés (Dt. 34.10), Miriam (Ex. 15.20), os setenta no deserto (Nm. 11. 16-17, 24-29) e Débora (Jz. 4.4), pode-se afirmar que “parece claro que os autores bíblicos interpretaram Samuel como o primeiro grande profeta”[2]. Mas e estas denominações de profetas antes da monarquia? Sicre (1996, p. 233) afirma que estas passagens não significam informações sobre fatos históricos, mais uma interpretação de gerações posteriores.
Dessa forma Samuel é a figura que merece atenção especial, na medida em que nele os autores bíblicos apresentam as figuras de sacerdote, juiz, homem de Deus, Vidente e Profeta[3], sendo que estes três últimos termos são conceituações características do profetismo israelita.
Tendo então Samuel como a figura inaugural do profetismo israelita, cabe em um segundo momento conceituar os três termos proféticos designados na narração bíblica a este personagem: homem de Deus, vidente e profeta.




2) PROFETISMO EM ISRAEL: CONCEITUAÇÃO DOS TERMOS EM SAMUEL

Iniciando esta segunda parte, uma pergunta surge: Por que conceituar estes termos? Conforme afirma Sicre, “nós usamos uma só palavra, de origem grega, profeta, para referir-nos a certos personagens que a Bíblia designa com títulos muito diferentes”[4]. Se já é um problema um mesmo termo para vários personagens diferentes, o que dizer então para vários conceitos em um único personagem? Por isso, vale tratar de forma sintética e separada cada conceito aplicado a Samuel na narrativa bíblica, em busca de um melhor entendimento do inicio do profetismo israelita.

2.1) Homem de Deus (Ish Há Elohim)
Este termo aparece quatro vezes se referindo a Samuel, todas elas citadas na narrativa das jumentas de Saul (1 Sm. 9). Conforme afirma Fohrer (1993, p. 287) esta expressão atribui ao seu portador dos poderes de El, poderes supra humanos e divinos. O homem de Deus é um profeta detentor de uma relação íntima com Deus, o que lhe confere a capacidade de operar milagres[5]. O que parece implícito nesta terminologia é a capacidade do individuo de não só transmitir um oráculo, mas de ter um poder sobrenatural de transformar a realidade. Samuel transforma a realidade, quando é o instrumento de transição entre período dos juizes e monarquia[6].

2.2) Vidente (Roeh)
O termo vidente aparece onze vezes em todo Primeiro Testamento, sendo que em sete dessas vezes relacionados a Samuel (I Sm. 9.9, 11, 18, 19; I Cr. 9. 22; 26.28; 29.29). Conforme Sicre, Samuel traz dados interessantes sobre a antiga imagem do vidente:
Um homem que conhece coisas ocultas, e que se pode consultar dando-lhes uma gorjeta. Já que aparece pelo povo precisamente quando se vai oferecer um sacrifício, alguns pensam que também exercia funções sacerdotais. Contudo, é provável que devamos ver os sacrifícios como parte integrante de sua atividade de vidente. Com efeito, um dos procedimentos típicos para adivinhar era observar as vísceras das vítimas. Mesmo quando esta prática não é mencionada, é freqüente oferecer sacrifícios como rito preparatório e propiciatório. (SICRE, 1996, p. 75-76).

Já Fohrer (1993, p. 274-275) afirma que o videntismo era característica das religiões nômades[7], não associado a qualquer tipo de santuário e estritamente baseado em visões. Além disso, Eichrodt afirma que “...em nenhum momento nós encontramos Samuel utilizando artes de presságio”[8].
Em Israel, o vidente assumia também atividades políticas, intervindo nos problemas da nação incipiente em favor do povo e em nome de Javé. Sua função como intermediário entre Javé e o povo era reconhecida como a continuação de um diálogo divino entre o povo e seu Deus[9].
Se o vidente é aquele que conhece o oculto, tem visões e influi de forma decisiva nas questões políticas, Samuel se desponta de forma especial contendo em suas narrativas todas estas características.

2.3) Profeta (Nabi)
Principal termo para se referir aos intermediários, aparece 315 vezes no Primeiro Testamento, sendo que se referindo a Samuel, aparece quatro vezes (I Sm. 10.5, 10, 11; 19.20). Este termo possui significado controverso, podendo exprimir desde borbulhar, ferver, derramar até falar de forma fervorosa ou sob transe[10]. Pode ser também relacionado ao verbo acádico nabû, significando chamar, anunciar ou nomear[11]. Este termo poderia ser aplicado tanto aos profetas de Javé quanto aos falsos profetas (SICRE; 1998, p. 89). Era relacionado, inicialmente ao profetismo coletivo e posteriormente aos profetas individuais, clássicos ou escritores[12]. Como é de difícil compreensão, pode-se qualificar o nabi, de maneira simples, como aquele que comunica a palavra de outra pessoa[13].
O nebiísmo tem seu inicio em áreas cultivadas do Antigo Oriente Médio, relacionado com santuários, cortes reais, cultos de fertilidade e transes extáticos (Cf. FOHRER, 1982, p. 275). Esta forma de profecia se caracterizava por pequenos ditos proféticos (palavras desconectadas) e experiências extáticas em grupo ou individuais (estas ocasionadas por dança, música ou possessão)[14].
Esse nebiísmo é assumido pelos israelitas a partir da entrada na terra de Canaã, e assume uma função estimuladora de caráter patriótico e religioso entre o povo[15]. Posteriormente, o videntismo se funde com o nebiísmo, criando aqueles que são chamados de profetas clássicos. Profetas estes que preservam características destes dois movimentos, mas manifestam características únicas em si[16], sendo que, uma destas características únicas do profetismo israelita, é uma sua liberdade de critica ao rei e ao culto, coisa inexistente nos outros movimentos proféticos do Antigo Oriente[17].
Mas qual então a relação de Samuel com o nebiísmo? Samuel é um típico guardador da religião mosaica, relacionado ao culto e ao rei, mas critico destas instituições, além de encabeçar uma liga de profetas extáticos (I Sm. 19.18-24).

A partir de toda essa análise das principais terminologias dadas a Samuel nas narrativas do Primeiro Testamento cabe, a guisa de conclusão, apontar algumas considerações sobre o profetismo israelita a partir de Samuel.

3) CONSIDERAÇÕES

Após breve descrição do inicio do profetismo israelita, a partir da figura de Samuel, cabe ressaltar que em Israel o profetismo pode ser caracterizado por uma manifestação adaptativo-inovadora.
Adaptativo na medida em que não despreza suas raízes do videntismo nômade nem a influência do nebiísmo agrícola do Antigo Oriente Próximo. Isto fica claro nas narrativas referentes a profetas posteriores como Elias - Eliseu (videntismo) e Isaias – Ezequiel (nebiísmo)[18].
Inovador quando apresenta a característica marcante da crítica aos poderes religiosos - reais. O profeta se torna o principal intermediário entre Deus e seu povo, valorizando o retorno a religião mosaica e ao nacionalismo estrito, muitas vezes abandonado por sacerdotes e reis corrompidos[19]. Além disso, outra característica é única no profetismo israelita: a divindade fala sem que lhe seja perguntado[20]. Em Samuel isto é realidade, quando Javé o revela sobre a unção de Saul como rei (I Sm. 9-10). A divindade também toma a iniciativa de se revelar, e o profeta torna-se esse transmissor da revelação divina ao povo.
Samuel se mostra uma figura que espelha bem essa visão adaptativo-inovadora do profetismo incipiente em Israel: era homem de Deus (pois transformava sua realidade através de suas ações), vidente (revelava o oculto e tinha poder político) e nabi (relacionado ao culto, ao rei e guardador da religião mosaica). Ao mesmo tempo, demonstra-se crítico ao sistema religioso (principalmente ao sacerdócio de Eli – I Sm. 3.11-21), instrumento de transição a uma nova realidade de seu povo, a realidade da monarquia (da qual ele se torna crítico).
Em Samuel, dá-se inicio a um movimento de desaparecimento e depreciação da figura do vidente, em detrimento da figura do nabi[21]. Só que o nabi que permanece em Israel não é o influenciado pela cultura do Oriente Antigo, mas sim por Samuel. Assim, Samuel torna-se o modelo do que é ser profeta em Israel.

4) E o que isso quem a ver com o cristão do século XXI?

Samuel nos ensina que o profeta é aquele que interfere em sua realidade, sendo critico de toda instituição que perde seu foco de servidor de Javé, em prol dos interesses de uma minoria.
Nossa função profética na sociedade atual é a de levantar contra as injustiças de todas as instituições anti-cristãs, mesmo se essas instituições se dizerem cristãs.

Para pensar: “A profecia não existe para transformar homens em profetas, mas para transformá-los em testemunhas de Deus, quando se cumprem”.


[1] Para maior conhecimento desta literatura, vide PRITCHARD, James B. Ancient Near eastern texts: relating to the Old Testament. 3. ed. Princeton: Princeton University Press, 1974. 710p.
[2] SICRE, 1996, p. 235.
[3] Estes termos aparecem principalmente em I Sm 1 – 9.
[4] SICRE, 1996, p. 74.
[5] Ibidem, 1996, p. 79.
[6] BLANCO, 2004, p. 31.
[7] Para maior aprofundamento sobre a religião nômade em Israel, vide FOHER, Georg. História da Religião de Israel. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1982. 507p.
[8] EICHRODT, 2004, p. 269.
[9] Ibidem, 2004, p. 267.
[10] HARRIS; JUNIOR; WALTKE, 1998, p. 904 - 905.
[11] WILSON, 1993, p. 130.
[12] BOUZON, 2002, p. 40.
[13] FARIA, 2006, p. 14.
[14] EICHRODT, 2004, p. 276-284.
[15] FOHRER, 1982, p. 280.
[16] Ibidem, 1982, p. 280.
[17] SICRE, 1996, p. 235.
[18] Ibidem, 2004, p. 291-300.
[19] BLANCO, 2004, p. 33.
[20] ASURMENDI, 1988, p. 18.
[21] VAWTER, 2007, p. 400.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A doutrina da Mordomia Cristã - TEXTO BÍBLICO: Salmos 24

Mordomo quer dizer, literalmente, ecônomo, isto é, aquele que é incumbido da direção da casa, o administrador. É aquela pessoa a quem é entregue tudo quanto o senhor possui para ser cuidado e desenvolvido. Em linguagem bíblica, isto quer dizer que não só terras, dinheiro, jóias e os bens materiais em geral, mas também o cuidado da esposa e dos filhos, enfim a reputação do senhor e até sua própria vida. Daí se depreende o que o Senhor exige de nós quando nos constituiu mordomos. É, portanto, com temor e tremor que devemos assumir nossa responsabilidade mas, de outro lado, com regozijo em nossos corações por ele nos ter dado um lugar de tantas oportunidades para glorificar seu santo nome.

1. BASE BÍBLICA DA DOUTRINA DA MORDOMIA

A Bíblia ensina por preceitos e exemplos que somos mordomos de Deus. Ele nos confiou a administração de bens e poderes que lhe pertencem. Causa estranheza que cristãos, através dos séculos, tenham aberto o Livro Sagrado milhares de vezes e até tenham procurado viver suas verdades, sem que a doutrina da mordomia viesse a ocupar em suas vidas o lugar que merece. Daremos, em resumo, o que a Bíblia diz acerca desse assunto.
O universo pertence a Deus (Gn 1.1; 14.22; Dt 10.14; I Cr 29.13-16; Sl 24.1; 50.10-12; 89.11; Jr 27.5). De modo específico, o solo pertence a Deus (Lv 25.23; 2 Cr 7.20). Os minerais e os tesouros que a terra e o mar escondem (Sl 95.5; 146.6; Ag 2.8; Jl 3.5). Tudo o que a terra produz (Gn 2.9; Sl 104.4) e toda a vida animal (Gn 1.24; 9.2,3).
Depois de haver completado a obra da criação, Deus colocou Adão num jardim aprazível e lhe confiou as coisas criadas (Gn 2.15). Deus nunca entregou os títulos de propriedade a Adão, mas conservou-os para si mesmo como criador. Adão era um simples mordomo. O homem só poderia ter direito de propriedade sobre aquilo que ele pudesse criar; entretanto, nunca homem algum jamais foi capaz de criar qualquer coisa. Tudo o que ele pode fazer é utilizar-se das coisas criadas, adaptá-las e combinar forças e elementos por Deus criados.
O homem pertence a Deus
Por direito de criação (Gn 1.27; 2.7; Is 42.5; 42.1-7; Ez 18.4)
Por direito de preservação (At 14.15-17; 17.22-28; Cl 1.17; I Pe 1.5). Deus não somente nos criou, mas também nos sustenta na sua providência. Ele não é um Deus que criou o mundo e o abandonou à sua própria sorte. Pelo contrário, Ele está profundamente interessado em tudo o que se passa entre os homens, acompanhando o desenrolar da história e orientando-a para atingir seus propósitos eternos. Não fora um Deus sustentador do universo e este mundo e a vida humana seriam uma impossibilidade.
Por direito de redenção (Ex 19.5; 1 Co 6.19-20; Tt 2.14; Ap 5.9). Fomos criados para glorificar a Deus (Is 43.7; 1 Co 6.18-20). Mas o pecado desviou o homem desse alvo. Era preciso, então, que Deus o restaurasse e o libertasse do pecado, que o separava dele (Is 59.2). Isso realizou-se na morte e na ressurreição de Jesus Cristo, que se ofereceu como propiciação pelos nossos pecados, restabelecendo outra vez o alvo para o qual Deus nos criou, e nosso objetivo, a partir da vitória de Cristo, deve ser buscar a sua glória.





2. O VALOR DA DOUTRINA DA MORDOMIA PARA A VIDA CRISTÃ

Talvez não haja outra doutrina capaz de influenciar mais a vida do crente do que a da mordomia quando devidamente compreendida e aplicada.
Antes de tudo, deixará de existir em nossa vida a diferença artificial que, em geral, se faz entre atividades religiosas e seculares. Religião não será mais uma atividade que tome de nós certos dias e horas. Cada minuto de nossa vida será sagrado, porque pertence a Deus. Nosso trabalho deixará de ser uma coisa mecânica e material para ser algo concedido pela graça de Deus. Estamos cooperando com Deus no desenvolvimento e progresso de um mundo criado e mantido por ele mesmo.
O mordomo fiel, despertado por uma visão nova e mais ampla, verá Deus e sua mão em lugares e coisas que lhe pareciam despidas de caráter religioso. Não só a igreja, mas o lar e o lugar de trabalho participam dessa esfera sagrada, porque Deus está em toda parte como criador e preservador. Não haverá mais coisas lícitas aqui e ilícitas ali, porque todo o lugar que a planta do nosso pé pisar será terra santa (Ex 3.1-5).
E mais: o conceito cristão de mordomia fará crescer o nosso senso de responsabilidade. Aqui está perante nós um mundo criado por Deus, com tudo quanto nele há, por cujo desenvolvimento somos responsáveis. Aqui estamos nós mesmos, criados à imagem de Deus, e tendo de prestar contas da nossa vida, em toda a riqueza de suas manifestações. Aqui estão almas imortais, sem conhecimento da graça salvadora de Cristo, às quais o Senhor nos incumbe de levar a Boa Nova. São tremendas as nossas responsabilidades como mordomos de Deus!
Cientes da nossa fragilidade e incapacidade para bem desempenhar nossa mordomia, somos levados a depender do Espírito Santo, que Deus fez habitar em nós para conduzir-nos à vida abundante de despenseiros da sua multiforme graça.
Temos a promessa preciosa de Jesus, que nos garante a assistência do Espírito, a fim de nos orientar no bom exercício na nossa mordomia. Ele nos esclarece quanto aos nossos deveres cristãos, fortalece-nos para o desempenho da tarefa de cada dia, purifica-nos, a fim de que sejamos "vasos para honra... e preparados para toda a boa obra" (2 Tm 2.22). Nenhum mordomo poderá servir com eficiência, se não viver uma vida orientada pelo Espírito Santo.

3. O SUPREMO EXEMPLO

Jesus não só ensina a verdade da mordomia em seus ensinos, mas a ilustra de modo muito claro e inspirador em sua própria vida. Ele se reconhecia mordomo de Deus, encarregado da tarefa suprema de alcançar a reconciliação da raça humana. Ele viveu a sua vida orientado por esse propósito. Seu desejo constante era fazer a vontade daquele a cujo serviço se encontrava na terra.

CONCLUSÃO

Inspirados em sua magnífica personalidade, caminhemos a passos firmes, como mordomos que não têm de que se envergonhar, que procuram desempenhar com fidelidade a tarefa que nos foi entregue.